Satine

 

Toda noite minha mãe faz a senha do beijo comigo. Eu sempre dou uma sequência de beijos que ela tem que dar no meu rosto pra eu poder dormir". Foi o que escutou na roda de amigos aquela manhã. Uma outra garota disse "Que bonitinho, o meu pai faz janela janelinha pra eu dormir". E ai foi ficando ainda mais triste. Sua mãe nunca havia dado beijinhos em seu rosto antes de dormir. Sabia a música da janela janelinha, mas não porque sua mãe cantara pra ela. Naquela roda, sentiu-se incomodada. Que história eu conto, se nunca ganhei beijinhos antes de dormir? Sua mãe não ficava em casa direito, o pai ficava bravo com a brisa forte. Não tinha história alguma pra contar, enquanto suas amigas estavam lá, contando, felizes, dos beijinhos que ganhavam antes de dormir. Se fosse contar as histórias de dentro da sua casa, certamente transformaria o assunto em frases azuladas. O irmão tentara se matar duas vezes. Os pais se divorciaram e, egoístas e desatentos, se distanciaram tanto da menina, que pareciam ter se divorciado dela também. A mãe lhe contava coisas terríveis sobre o pai, coisas essas que nunca questionaria ao pai se eram verdadeiras - então ficava naquele limbo triste de sentir pena da mãe e ódio do pai, mas suspeitar da mãe e ficar preocupado com o pai. Na rodinha, acabou ouvindo um "Quando eu for mãe, vou ser assim também". Estremeceu porque sabia o motivo pelo qual tinha pavor de pensar em um dia ser mãe: e se eu deixar minha filha tão triste como eu sou? Um outro depois mostrou a foto que tirou com os pais quando viajou pra praia. Os três abraçados, um sorriso de família feliz no rosto de todos eles, um sorriso que nunca viu em sua casa. Sentiu inveja, virou-se e foi embora. Os amigos ficaram a olhando sem entender nada. No meio do caminho, com lágrimas prontas e repentinas feito garoa prestes a cair de seus olhos, teve uma ideia e voltou à rodinha. Dirigiu-se à uma das meninas e pediu "por favor, faz janela janelinha em mim?".