Academicismo e dados: a universidade que ninguém vê

 

Nelson Caetano Alves

Nelson Caetano Alves é atualmente técnico acadêmico da Universidade. Formou-se em Administração em 2004, com ênfase em administração de empresas. Em 2014, fez mestrado em História Econômica na FFLCH que também é tema de seu doutorado, ainda a concluir. Trabalha no Escritório de Auxílio ao Pesquisador e Divulgação de Dados e Índices Acadêmicos da FFLCH, além de ser mentor da revista SarteL.

 

Em entrevista com a nossa equipe, nossa primeira pergunta foi sobre quando um estudante poderia desfrutar do funcionamento do escritório na faculdade, ao que ele respondeu:

 

Caetano Alves (CA): É quando o aluno estiver interessado sobre iniciação científica e quando tiver acesso à bolsa que o escritório terá uma atuação mais efetiva. Mas, nesse primeiro momento, é mais para que se esclareça o que é esse escritório e no que ele pode auxiliar. Isso faz parte de políticas inclusivas da faculdade que dizem respeito à permanência — por exemplo, o escritório pode ajudar muitos alunos que vêm de fora a adquirir algum tipo de auxílio na faculdade.

 

Desde 2010, Nelson atua na secretaria de pós-graduação de História, oferecendo ajuda aos docentes e alunos durante a pós-graduação nas áreas de História econômica e História social. Dessa forma, questionamos: como a História pode nos ajudar a entender a situação acadêmica enfrentada pela FFLCH atualmente?

 

(CA): A história é uma ciência que atua em várias áreas e acho que isso é o que há de mais fascinante nessa área — mas como ela pode nos oferecer ajuda? Nós temos tabelas e registros dos fatos históricos que a gente pode analisar para desenvolver o material necessário para auxiliar nas políticas públicas. Acho que essa é a função principal dessa área. Hoje eu não faço mais parte da História como funcionário, e por isso estou aqui no escritório, fazendo parte da História como aluno. Tento sempre aplicar esses conhecimentos tanto nos artigos que público quanto aqui no escritório, além de disponibilizá-los para outras áreas da FFLCH. Por exemplo, temos o portal de dados que está dividido em 3 fases — a primeira é dar luz aos dados da universidade: ver quantos alunos há e quantos ingressantes entraram em determinado ano, além de fornecer dados a respeito da evasão, dos auxílios, etc. Essa primeira fase é uma área que nunca vai cessar, ela está sempre se atualizando, pois sempre há novas pessoas entrando na faculdade. A segunda fase seria interpretar esses dados, e a terceira seria começar a gerar relatórios para disponibilizá-los para as áreas que se utilizam dessas informações.

 

Em 2020, com o início da pandemia, o curso de Letras teve que aderir ao mundo remoto repentinamente. Nelson comenta as maiores dificuldades dessa adaptação tão brusca no setor em que ele trabalha:

 

(CA): Como sou uma pessoa muito antenada e voltada às tecnologias, e como o perfil das pessoas que vem para cá é próximo disso, não tivemos muita dificuldade e conseguimos dar prosseguimento aos nossos trabalhos. O que realmente foi um problema foi o contato pessoal, pois na faculdade isso é levado muito a sério — vários cursos de graduação são voltados a analisar esses tipos de relações, e com a pandemia o atendimento acabou mudando estruturalmente. Desta vez, contudo, nós tentamos automatizar o máximo possível, não deixando de atender nenhum pedido. Isso foi o mais importante: a gente criou canais que antes não eram tão comuns. Muitas áreas, por exemplo, estão usando celulares dentro do nosso gerenciador de conteúdo da FFLCH e eu particularmente sou um dos que estão no T.I. da faculdade, ajudando a criar vários tutoriais para que as diferentes áreas possam acessar e ver como que se faz esses formulários. Alguns professores gostaram desses formulários e os usaram dentro de seus cursos, como nas Ciências Sociais. Tivemos um período de adaptação relativamente curto na academia, mas os serviços andaram na normalidade.

 

Como seu trabalho envolve a análise e apuração de dados, Nelson está por dentro do funcionamento técnico dos cursos da FFLCH. Ele comenta sobre a discrepância entre os dados oficiais e a realidade:

 

(CA): Eu costumo falar para os professores: 'olha, o que nós divulgamos são informações oficiais, mas as informações reais às vezes são diferentes’. Vou dar um outro exemplo: o aluno terminou o curso, mas pode demorar até dois meses para aparecer isso no sistema, seja por procedimento da área, seja por alguma disciplina ainda estar em fechamento, por mais que a pessoa tenha todos os créditos. Contudo, dentro do desvio padrão e da margem de segurança, os dados são totalmente confiáveis, então é possível trabalhar com eles naturalmente, não precisa estar totalmente a par com a realidade.

 

Ainda no assunto sobre dados acadêmicos, perguntamos sobre quais deles são mais preocupantes e precisam de atenção redobrada por parte da comunidade acadêmica, visto que muitas das vezes eles podem passar despercebidos pela comunidade:

 

(CA): Acredito que os dados mais preocupantes, e que inclusive neste momento estão sendo bastantes discutidos aqui no escritório, de modo geral, dizem respeito à evasão e à saúde mental. Um outro dado, que trabalharemos a partir dos treinamentos que faremos, é a parte da atualização dos dados, que consiste no lançamento correto das informações nos sistemas para que todo mundo se mantenha informado caso haja alguma ocorrência em algum momento. Acredito que isso vai se tornar natural. Hoje, por exemplo, se você quiser saber quantos projetos de pesquisa existem na habilitação do Italiano, alguém vai ter que fazer um levantamento mais minucioso, e assim vai. É nesse ano que vamos fazer o primeiro treinamento para ver como será o direcionamento e quais serão as repercussões. Com o tempo a gente só tende a melhorar: assim como no curso de vocês, por exemplo, aqui ‘’nós também temos um curso ideal, e evoluímos, conforme observamos novas exceções — o escritório está atento para isso, o que faz parte da meta anual.

 

Sabendo da existência desse banco de dados da FFLCH, como seria possível nós, estudantes da USP, usarmos esses dados para enriquecer o meio acadêmico da universidade?

 

(CA): Os dados são acessíveis para todos, com exceção de alguns, que são restritos por lei, que é o caso dos nomes das pessoas, dados pessoais, etc.. Mesmo assim, se você estiver fazendo uma pesquisa e precisar saber a nacionalidade ou alguma particularidade que pode não ter sido divulgada, é só você fazer um pedido formal: subverta à comissão de ética da faculdade e, se eles aprovarem, você terá acesso aos dados. Eu diria que é uma coisa que não exatamente atende à “burocracia”, mas à licitação, e é uma informação que está disponível facilmente. Se não estiver procurando por coisas dessa ordem, você vai entrar no portal e terá toda informação que precisar.

Em relação à produção, por exemplo, é possível saber o que foi produzido tanto pelos discentes quanto pelos alunos, além de uma série de dados sobre os quais as pessoas talvez não tenham conhecimento. É possível saber quantas bolsas há na universidade, quantos tipos de auxílio — os alunos podem inclusive verificar se a quantia que a bolsa oferece atende ou não às pessoas e se deveria aumentar ou não. São coisas que os alunos vão poder apontar com mais precisão do que nós. Nossa equipe opera muito no quantitativo, mas a qualidade em si será regulada tanto pela administração quanto pelos alunos, que vão dar esse feedback para cá. É por isso que é interessante essas fases que eu sempre falo que acontecem: primeiro a gente lança os dados; depois, como pesquisadores e usuários finais, vocês vão utilizar e vão dar um feedback. Inclusive os próprios alunos podem fazer uso dessas informações — vários dos dados já foram utilizados pelos alunos em artigos que chegaram a sair em noticiário, não tenho certeza se positivamente ou não, mas foram a partir dos dados.

 

A evasão escolar é um grande problema na universidade, principalmente entre os cursos da área das ciências humanas. Este problema revela uma série de fatores que levam os alunos a interromperem seus estudos. Nelson nos ajudou a elucidar essa problemática através do cruzamento de dados:

 

(CA): Como estamos ainda na primeira fase, a gente vai ter um número “X” de evasões. A Ciências Sociais tem feito um trabalho junto com os alunos em que eles conseguem ver exatamente que tipo de evasão foi, e aí podem trabalhar pontualmente cada uma dessas evasões. Há vários alunos que vêm de fora e não conseguem moradia ou um bom auxílio. Pense como o aluno que vier do Nordeste, por exemplo, enfrentaria um mundo completamente novo, tanto na cultura como na comunicação — ele fala português? Sim, mas ele tem uma linguagem completamente diferente. Essas dificuldades estão presentes, e se nós não formos atrás de criar outros mecanismos, não vamos saber que tipo de evasão foi. A evasão pode ser: o aluno chegou, prestou em três universidades públicas, passou aqui no curso de Letras, mas ele passou no curso de medicina da Unicamp, e ele queria fazer medicina. Então é um tipo específico de evasão, mas se não formos atrás não vamos saber lidar, porque esse é um tipo de evasão que não tem muito o que fazer.

Na verdade, será que deveria haver um trabalho para tentar evitar isso? Será que esse é o caminho? Não sei. É uma situação na qual, se não tivermos a informação, não teremos como atuar. Podemos atuar somente em alguns casos: no caso do aluno que veio para cá e, sem estrutura, teve que desistir, porque não teve auxílio; no caso do aluno que conseguiu a moradia, mora sozinho, mas não interage com muitas pessoas, não interage com a família — não existe aqui nenhum grupo interno que auxilie essa interação, mas poderia existir. É uma ideia. Se esse grupo for criado, será que ele tem que ser chefiado pela faculdade ou poderia ser o pessoal dos centros acadêmicos? São apenas sugestões de como o problema poderia ser resolvido. O importante é qualificar esse tipo de informação a respeito das evasões. De repente, o cara entrou no curso e não se adaptou, não gostou ou não era isso que ele queria — existe muito disso.

Outra área que a gente trabalha é a da transferência interna, que conta como evasão, onde o estudante está sendo reaproveitado em outro curso dentro da universidade. Nesse caso, a evasão está localizada somente no curso, mas não na universidade. A partir disso, cabe à administração do curso fazer uma reavaliação do curso, porque não é o aluno que tem que se adaptar à universidade, mas é ela que deve atender ao que o aluno espera. É assim que eu penso a universidade.

 

Com a experiência de Nelson em Administração Empresarial, perguntamos a ele se ele enxerga uma possível colaboração entre o mundo empresarial e o academicismo na área de humanidades:

 

(CA): Sim, totalmente. Eu tinha um escritório, que trabalhava muito com estagiários — os melhores estagiários que passaram por aqui são das áreas de Letras e Filosofia, e muitas pessoas perguntam por quê. Primeiro, por afinidade, pois a forma de se aprender a linguagem da computação e a forma de se aprender a linguagem falada é muito parecida. Além disso, o pessoal de Filosofia entende bem de lógica, afinal ela é muito explorada no curso deles. Se você entende de lógica, na área da computação você não precisará saber a linguagem. Você consegue desenvolver os seus sistemas por meio de algoritmos e anagramas e passar para uma pessoa que entende bem a linguagem. Ela vai conseguir fazer aquilo que você desenhou de forma lógica para o sistema de computação.

É muito mais fácil ensinar computação para alguém que já tem noção de lógica e linguagem do que para alguém que é bom com números — às vezes a lógica para a pessoa de exatas não é tão simples assim, mas isso em relação à parte teórica, vale ressaltar. Em relação aos números, o estudante de exatas é muito mais rápido. Ter estudantes de humanas envolvidos com isso é importante, pois não podemos apenas pensar as ciências humanas como somente voltadas para questões éticas, de gênero, sociais e afins.

Acredito que a pessoa da área de humanidades pode trabalhar em qualquer canto — por exemplo, uma pessoa da História pode escrever um livro sobre a história da medicina. Aliás, acontecem algumas coisas muito curiosas: em alguns congressos de física quântica, o principal palestrante é o historiador; é ele quem faz todo o levantamento e o embasamento daquela teoria em questão, porque para o físico, às vezes, fazer isso pode ser um grande problema. É o historiador que, muitas das vezes, percebe alguns detalhes que podem passar despercebidos dentre os fatos. Eu sei disso porque sou da área de história, e agora estou terminando o meu doutorado. Na área de humanidades você consegue passar pelos outros cursos, mas, claro, há limitações. Um historiador observaria uma série de fatores específicos e chegaria a conclusões diferentes das de um geólogo ou sociólogo, por exemplo. As áreas de humanas acabam por se integrar em vários setores, e as teorias se complementam. Eu acho que a colaboração da área de humanidades está nesse sentido; ela é a que garante mais interdisciplinaridade na universidade. Nós conseguimos dialogar com todos os cursos.

 

Por último, queremos saber como é trabalhar no alto escalão da FFLCH como membro da congregação da graduação? Quais são os prós e contras?

(CA): Eu sou um pouco suspeito para falar, mas o nosso destaque é muito grande. Nós nos falamos bastante, temos reuniões regulares discutindo as novidades, os rumos, as metas e, além das metas, a própria direção. Tentamos sempre agregar tudo isso, então é um grupo que se ajuda bastante. Fomos atendidos satisfatoriamente, mas é claro que ainda temos limitações. Porém, tentamos superá-las com alguma ação ou pedindo auxílio às outras unidades também. Acho isso salutar, dar auxílio às outras unidades — fazemos tudo aqui no escritório em código aberto para que as outras unidades tenham acesso. A única coisa que a gente fala, é que se eles desenvolverem alguma coisa nova, eles vão ter que subir para nós, para a comunidade. É a única contrapartida.

 

Por Victor Martins e Matheus Cunha

Revisado por Bruno Pereira Lima